Literatura, resenhas de livros e dicas de leitura

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Resenha Tripla: Fundação / Fundação e Império / Segunda Fundação (Leituras 2020 – 6, 7 e 8/20)

Deixo aqui minhas impressões e opiniões sobre os livros “Fundação”, “Fundação e Império” e “Segunda Fundação”, de Isaac Asimov.

Nestas obras, conhecida como a Trilogia da Fundação, o autor narra eventos ocorridos com a humanidade num futuro distante, tão distante que não há sequer traço do planeta Terra nesta obra. Toda a história se passa em diversos mundos espalhados pelo universo, já conquistado pela humanidade há muitos milênios.

Os eventos começam a partir do declínio e queda do Império Galático. Hari Seldon, um psico-historiador percebe esta movimentação e leva a questão aos responsáveis do Império.

Através da Psico-História (uma mistura de sociologia, matemática e psicologia de massas), Hari Seldon mapeou os movimentos de grandes civilizações por diversos séculos ou até milênios à frente de seu tempo. A ideia desta ciência é que é possível prever eventos em grandes escalas pois a humanidade se comporta de forma previsível como um grupo, mas não é possível prever eventos individuais ou de pequenos grupos, pois fogem à lógica social, à estatística e às probabilidades.


Hari Seldon preconizou não apenas o fim do império, mas também um período de 30 mil anos de ignorância que se seguiriam a este declínio. Seu plano foi criar uma Fundação Enciclopédica que guardaria o conhecimento do Império Galático e diminuiria este intervalo de barbárie de 30 mil anos para apenas mil anos. Ao término deste período, de acordo com o plano, a Fundação se tornará um novo Império Galático, melhor e mais forte.

Ao apresentar seus estudos para o Império, Hari Seldon é acusado de traição e consegue negociar seu próprio exílio junto de um grupo de cientistas que o segue, bem como a criação de duas Fundações: uma no planeta Terminus (a Fundação que acompanhamos durante toda a trilogia) e outra do outro lado da galáxia, a Segunda Fundação, que tem papel apenas no último livro da saga.

Conforme os livros avançam, as previsões de Seldon se confirmam uma após a outra e a Fundação busca resistir num universo cada vez mais bárbaro ao seu redor.

OPINIÃO: A Trilogia Fundação é uma obra-prima da ficção científica. Isaac Asimov era um escritor muito competente e pouco descritivo. Seus livros mais se assemelham a relatos de eventos do que a um romance. Por ser cientista por formação, a habilidade de Asimov em concatenar eventos, criar tramas e resolver questões de forma sistemática deixam a leitura de seus livros muito dinâmica.

A história desta trilogia é interessante, sem dúvida. Mas para mim, mais pareceu um estudo de sociologia do que um livro de literatura em muitos aspectos. As previsões de Hari Seldon vão se concretizando ao longo do livro e o leitor deve assumir uma leve suspensão de descrença para aceitar este domínio da “mão morta” de Seldon sobre a história. Como isto faz parte da lógica do livro, esta ideia vai se tornando natural ao longo da leitura. No meu caso, o único ponto que tiro da minha nota para a leitura vêm justamente desta necessidade da trama de se ajustar constantemente a este plano original, às vezes de forma não tão convincente. Isto ocorre especialmente no primeiro volume e é superado nos demais.

A história desta trilogia é narrada por muitos personagens e por diversos pontos de vista, não sendo possível apontar um protagonista. O personagem central é a própria Fundação, com seus muitos habitantes. Neste sentido, é uma leitura desafiadora para os que estão acostumados a histórias narradas sempre sob um único ponto de vista. Por se tratar de uma história de proporções galáticas, os pontos de vista e personagens surgem em diversos pontos, com backgrounds e culturas diferentes.

Cabe ao leitor adaptar-se à grandiosidade desta obra que, apesar de ter uma trama complexa, é de leitura simples e cativante.

NOTA PARA A LEITURA: 9/10

Sem mais delongas, iniciamos a análise do final da obra com os SPOILERS. Siga por sua conta e risco.

Nesta resenha, não teremos spoilers detalhados da história pois são diversos eventos que se sucedem rapidamente e a resenha ficaria quase do tamanho do livro. De toda forma, ainda que se revelasse o final dos livros, a história não estaria comprometida como um todo, justamente por ser muito dinâmica. Os spoilers abaixo são conceituais para se entender o todo da história.


No primeiro volume, “Fundação”, é narrada a história de Seldon e, posteriormente, a história da primeira Fundação, já após sua morte. Este primeiro volume é claramente um conjunto de pequenos contos integrados pelo autor como livro, pois são pequenas histórias que se sucedem. Nelas, a Fundação vai superando seus desafios, guerras externas causadas e golpes internos de uma forma ou de outra, seguindo o plano Seldon.


No segundo volume, “Fundação e Império”, a Fundação derrota o Império Galático (ou o que sobrou dele) após ser atacada e se consolida como centro intelectual do universo. Com o tempo, torna-se estagnada e burocrática. Isto até a chegada do Mulo, um mutante não previsto pelo plano Seldon, fruto do acaso. Imprevisível, e capaz de controlar as emoções dos seres humanos, o Mulo subjuga a Fundação e controla a maior parte da galáxia, colocando como objetivo a destruição da Segunda Fundação, sua única possível rival, que está escondida pelo plano original de Seldon.


É revelado, então, que a Segunda Fundação, sobre qual nada se fala nos primeiros livros é a “verdadeira Fundação”, composta por psico-historiadores herdeiros do plano Seldon. Esta fundação sempre observou a primeira e garantiu que seus planos dessem certo, ficando eles mesmos (a Segunda Fundação), nas sombras, como guardiões do plano original.


No último livro desta Trilogia, “Segunda Fundação”, o Mulo busca a Segunda Fundação, mas é vencido por ela na primeira metade do livro, sendo que a primeira Fundação nada sabe sobre esta intervenção. Ao longo do tempo, um grupo da primeira Fundação começa a suspeitar que foi a Segunda Fundação que deteve o Mulo por também ter poderes mentais. A segunda metade da obra presta-se a explicar como este grupo da primeira Fundação e a segunda Fundação se enfrentarão indiretamente para retomar o equilíbrio do plano Seldon.

Como a humanidade ficará ao final destes eventos, se o objetivo do plano Seldon será alcançado e se a Fundação se tornará um novo Império, melhor e mais forte, deixo aos leitores para descobrirem.

Por Rafael D’Abruzzo

Resenha: Coração / Kokoro (Leituras 2020 – 5/20)

Minha quinta leitura do ano foi Coração (no original japonês: Kokoro), de Natsume Sōseki.

A história do livro gira em torno de dois personagens principais: o Professor (Sensei) e o Eu, personagem indefinido e sem características físicas, que tem o condão de deixar o leitor em primeiro plano para o contato com o personagem mais interessante do livro, o Professor.

No começo do livro, o Eu está de férias escolares numa área praiana quando conhece o Professor, figura misteriosa cujas ações chamam a atenção por destoarem dos costumes sociais padrões esperados. Ele é um misantropo numa sociedade que valoriza muito mais o coletivo do que o indivíduo.

Ao longo do livro, Eu desenvolve uma fascinação quase obsessiva pelo Professor. Ambos desenvolvem uma amizade baseada num contato praticamente diário, enquanto Eu tenta desvendar os mistérios do passado escondido do professor.

Em paralelo à nova amizade com o Professor, a vida pessoal de Eu torna-se mais conturbada com o desenvolvimento de uma doença incurável de seu pai, causando sua ida à casa da família no interior, afastando-se de Tóquio e da vida moderna junto ao professor.

Graças às informações trazidas para mim pela minha amiga que me emprestou este livro (muito difícil de achar em português, inclusive), estudiosa da cultura japonesa e oriental em geral, entendi que o autor atribuiu aos personagens deste livro o espírito da época no Japão. O Professor é a transição do velho Japão feudal para o Japão moderno, por isso se sente deslocado da sociedade como está. Há diversos paralelos como este no livro e ler sob esta perspectiva traz ainda mais profundidade à trama.

OPINIÃO: Kokoro é, sem dúvida, um dos livros mais tristes que já li. Talvez seja o mais triste. E eu achava que o livro que eu escrevi era pra baixo. Ledo engano, comparando com este.

Triste e profundo. Numa trama simples, Natsume Sōseki toca no nervo do leitor com temas como culpa, deslocamento social, solidão e ansiedade. Há muita profundidade na história, não só pela ressignificação ideológica dos personagens, mas pelo modo poético como a história é contada.

Há na leitura, ao longo dos três grandes capítulos do livro, um movimento de distanciamento do Eu. No começo do primeiro capítulo, ele é a figura principal, sendo aos poucos trocado pelo Professor. No segundo capítulo há uma reaproximação ao Eu, logo colocada de lado pelas preocupações com a família e o Professor, agora longe. Por fim, o terceiro capítulo é inteiramente narrado pelo Professor, inexistindo a figura do Eu, totalmente subjugado por uma personagem mais cativante.

Do mesmo modo como em nossas vidas acabamos, às vezes, por deixar de ter opiniões próprias em face de opiniões e dogmas de outros, também no livro vemos esta aniquilação das vontade própria, conforme o Eu se anula perante o Outro.

Um livro denso, complexo e delicado, como flores lindas, porém venenosas. Kokoro te leva para dentro de uma história triste com tanta força que você pode ser afogar.

Cuidado com esta leitura se estiver numa fase difícil da vida. Se você estiver numa fase boa, quando acabar o livro já não estará mais nela. Experiência própria.

NOTA PARA A LEITURA: 10/10.

Sem mais delongas, iniciamos a análise do final da obra com os SPOILERS. Siga por sua conta e risco.

Ao longo de toda a história, Eu tenta descobrir sobre o passado do Professor. Sua vida vai acontecendo durante esta obsessão e ele não percebe que está ausente de sua própria história.

Quando o pai de Eu adoece e ele precisa ir para a casa da família no interior para dar apoio, acaba distanciando-se do Professor, que havia prometido contar sua história algum dia, antes de morrer.

A doença do pai de Eu avança e ele recebe uma longa carta do Professor. Trata-se de um testamento, na qual ele revela sua história como responsável pelo suicídio de seu melhor amigo, o que o assombra desde então, tirando sua vontade de viver.

Por fim, com a morte do Imperador Meiji, o Professor sente que finalmente é sua hora e também se mata, deixando os detalhes de seu passado na carta.

Toda a história do passado do Professor é o que confere a densidade da leitura. Contar aqui seria um desfavor à sua leitura, caso algum dia vocês se aventurem pelas tristes veredas de Kokoro.

Por Rafael D’Abruzzo

Resenha: As Águas Vivas Não Sabem de Si

Além das resenhas dos livros que estou lendo em 2020, estou analisando algumas obras que impactaram minha experiência como leitor. A primeira análise neste sentido foi do livro O Mundo de Sofia. Desta vez, a resenha é de uma obra bem mais recente e, de quebra, nacional.

As Águas Vivas Não Sabem de Si, da Aline Valek, é um livro espetacular. Nele, acompanhamos a história de Corina, uma mergulhadora profissional que está numa missão para testar um traje de mergulho para profundidades abissais numa estação submarina (Auris), já situada num nível bem abaixo da linha do mar.

Nesta estação, também estão outro mergulhador (cujo apelido é Arraia), um cientista americano cujas teses não são bem aceitas no mundo acadêmico (Martin) e seu assistente (Mauricio), além de Susana, que está encarregada de garantir a sobrevivência de todos na estação. Cada uma destas pessoas tem motivos (expressos e ocultos) para estarem no mesmo ambiente.

Martin deseja aproveitar a missão para estudar uma teoria sua sobre a comunicação no fundo do mar, acompanhado de perto por Mauricio. Esta relação com a vida marinha é o que move Corina em sua vida de mergulhadora e serve como contraponto para a narrativa que acompanha a perspectiva das criaturas marinhas em paralelo ao que acontece na estação de pesquisa.

A convivência entre os personagens gera discussões sobre a natureza humana, a solidão e reflexões sobre a sociedade calamitosa muitos metros acima de suas cabeças. Além disso, Corina carrega um segredo que pode colocar em risco a missão e sua própria vida.

OPINIÃO: As Águas Vivas Não Sabem de Si é impressionante. Não só o trabalho de pesquisa da Aline é memorável (contando em detalhes o ofício de mergulhador, a vida numa estação aquática e a biologia marinha), como também a narrativa da história surpreende. Quebrando totalmente a prática narrativa habitual, a autora desloca o protagonismo de alguns capítulos para as mais diversas criaturas marinhas: cachalotes, águas vivas, polvos e outras mais.

A vida de Corina é explorada em paralelo à vida marinha, mostrando que o ecossistema é mais sinérgico do que parece à primeira vista. Os capítulos que narram a vida subaquática são repletos de reflexões e perguntas filosóficas das criaturas que os protagonizam, sendo um deleite para os leitores mais detalhistas. Os pontos de vista são tão diversificados no livro que o leitor tem um sentimento de pertencimento àquele ambiente, como a própria Corina tem.

A sensação de ler este livro é agridoce; por um lado, aproveitamos a história magistralmente apresentada pela autora e, por outro, a angústia de uma vida efêmera e a solidão do isolamento (por vezes dentro de nós mesmos) assolam o leitor em cada capítulo de cada personagem, humano ou não. Solidão esta que é, ao menos ao meu ver, a temática central da história.

NOTA PARA A LEITURA:10/10.

Observação: Esta resenha não terá a sessão de análise com spoilers por dois motivos: 1) o livro é recente e integra o (infelizmente) semi-ignorado mercado literário nacional contemporâneo. Dar o final do livro aqui seria desestimular a leitura, o que é precisamente o oposto do objetivo deste site; e 2) a história evolui com uma sensibilidade invejável. A autora tem pleno domínio do texto e cada capítulo (sob a ótica humana ou não) é essencial para o final catártico da história. Traduzir em poucas palavras o final do livro seria impossível sem o sentimento que ele traz.

A conclusão da história é um soco no estômago (e outro na cara, um chute na costela… enfim, você termina no chão) e vai te deixar refletindo sobre a leitura durante muito, muito tempo.

Por Rafael D’Abruzzo

Resenha: Clube da Luta (Leituras 2020 – 2/20)

Minha segunda leitura do ano foi “Clube da Luta”, de Chuck Palahniuk. A expectativa para este livro era enorme, já que aprecio muito o filme homônimo e o assisti diversas vezes.

No livro, acompanhamos a história do protagonista sem nome que narra a história sob seu ponto de vista. Ele sofre de insônia, tem um trabalho enfadonho e coleciona peças de mobília e roupas de lojas de departamento para supri o vazio existencial que sente. Logo no início do livro, vemos o protagonista contracenando com Tyler Durden, numa cena de grande tensão que antecede uma tragédia. A partir deste ponto, a história é contada em flashback.

A linha cronológica do livro, passando o in media res inicial, conta-nos sobre a vida do protagonista, sua já mencionada insônia e seu trabalho estressante com constantes viagens de avião (causadoras de um jet lag que agrava a insônia), e sua visita rotineira a grupos de apoio para doenças terminais, como cânceres, parasitas cerebrais e outros. O objetivo destas visitas é cumprir uma sugestão de seu médico, que o aconselhou a “ver o que é um sofrimento real”, para colocar sua insônia em perspectiva.

Nestes grupos de apoio o protagonista consegue se soltar, chorar, extravasar e, enfim, dormir adequadamente à noite. Quando uma mulher chamada Marla Singer começa a frequentar os mesmos grupos de apoio que ele, sua “terapia alternativa” acaba e a insônia se agrava.

Durante uma viagem a uma praia de nudismo, o protagonista conhece Tyler Durden, um extremista anárquico com grande carisma. Quando retorna para casa, vê que seu apartamento sofreu uma explosão e percebe-se sem rumo nem teto, o que o faz pedir abrigo para Tyler, que concorda com uma condição: “eu quero que você me bata tão forte quanto você puder”. Os dois lutam no estacionamento de um bar, angariando uma pequena plateia. Posteriormente, formam o Clube da Luta.

A história avança explorando o relacionamento entre o protagonista, Tyler e Marla, que formam uma espécie de triângulo amoroso fundamentado no desprezo mútuo. Ao mesmo tempo, Tyler evolui o Clube da Lua para o Projeto Desordem e Destruição, que tem como objetivo anarquizar a vida das autoridades e dos cidadãos “de bem”, acomodados em suas pacatas vidas. A trama leva os personagens a um clímax de conflitos internos e externos, com uma dinâmica impressionante de escrita pelo autor.

OPINIÃO: A escrita de Chuck Palahniuk é muito rápida, fluida e imersiva. Com frases curtas e verbos contundentes, o autor carrega o leitor (ou o conduz a pontapés, se preferir esta jocosa metáfora) durante esta trama intrincada. Mesmo eu que conheço o roteiro do filme não consegui largar o livro e pude refletir sobre os diversos questionamentos feitos pelo protagonista e por Tyler Durden. Desde perguntas sobre nosso lugar na sociedade até o que estamos fazendo com nosso pouco tempo de vida, as dúvidas essenciais apresentadas no livro trazem reflexões poderosas e, por vezes, nocivas ao status quo do leitor, o que não necessariamente é ruim, já que as mudanças sempre surgem das quebras de paradigmas.

Clube da Luta não oferece uma história com ganchos baratos e clichés para prender a atenção do leitor, mas sim uma trama bem construída que faz você, por vezes, sequer perceber que mudou o capítulo. O livro e o filme são quase idênticos, mas as linguagens são naturalmente diferentes e é muito bom poder redescobrir a história, desta vez em seu formato original.

NOTA PARA A LEITURA: 9/10. O pontinho perdido vai por conta da estrutura dos capítulos, que não fornece pontos de parada ao leitor. Por mais que a história seja boa, enquanto você lê a vida continua acontecendo e não ter intervalos significativos na leitura pode atrapalhar na absorção das cenas.

Sem mais delongas, iniciamos a análise do final da obra com os SPOILERS. Siga por sua conta e risco.

Lá pelos 70% do livro, o leitor se depara com a revelação principal da trama: o protagonista e Tyler Durden são a mesma pessoa. O problema de insônia do protagonista é, na verdade, um transtorno dissociativo de identidade que faz com que o protagonista viva o dia como ele mesmo e as noites como Tyler Durden, que “assume o corpo” toda vez que o protagonista vai dormir e esgota suas forças.

Ao descobrir a verdade, o protagonista tenta se matar (e, desta forma, matar Tyler, que está colocando a vida de Marla em risco). Enquanto isso, as equipes de anarquistas recrutadas por Tyler no Projeto Desordem e Destruição estão perpetrando diversos atos de vandalismo e ameaças a pessoas influentes e empresas, espalhando-se por todo o país e também internacionalmente.

O final passa pela aceitação do amor do protagonista por Marla e pela tentativa de suicídio, com sobrevivência do protagonista e uma suposta união das personalidades conflitantes, deixando no leitor a expectativa do que pode ter acontecido ao mundo com o deslanche do Projeto Desordem e Destruição, já que o protagonista termina internado numa clínica psiquiátrica, alheio ao que acontece na sociedade, exceto por pequenos fragmentos de informações trazidas por enfermeiros participantes das organizações fundadas por ele.

Ao término da leitura, o leitor pode se questionar se os fatos narrados, inclusive no fim da história, são verdadeiros ou apenas devaneios da mente perturbada do protagonista. Esta questão do narrador não-confiável modifica toda a leitura e traz dúvidas sobre se o que lemos no livro realmente ocorreu da forma como narrado ou se tudo não passava de interpretação enviesada sob a ótica corrompida do protagonista. Em uma extrapolação, tudo poderia ter se passado apenas em sua mente, embora acredito não ser esta a intenção do autor.

Da forma como é apresentada, a história traz uma reviravolta e transforma o narrador numa incógnita, deixando a história mais profunda e cheia de nuances para o leitor continuar imerso na trama por um bom tempo após fechar o livro.

Por Rafael D’Abruzzo

Resenha: A Cor da Magia (Leituras 2020 – 1/20)

Em 2020 tenho como objetivo ler, pelo menos, 20 livros (não é nada cabalístico, é só uma meta pessoal com base na leitura de aproximadamente dois livros por mês), além de alguns livros técnicos de escrita e outros assuntos que não computarei na conta. Assim, pretendo resenhar estes 20 (ou, com sorte, mais) livros ao longo do ano aqui. Por isto, este é o post 1/20. Você pode acompanhar minhas leituras pelo Goodreads.

O primeiro livro que li este ano foi A cor da Magia, o primeiro volume do universo Discworld, de Terry Pratchett. Vindo de Pratchett (co-autor de Belas Maldições junto com Neil Gaiman), podemos esperar uma boa dose de risadas e situações esdrúxulas. E é exatamente isso que encontramos neste livro.

Primeiramente, cabe conceituar o que é o Discworld: um mundo plano (super atual em tempos de terraplanistas), sustentado nos ombros de quatro elefantes gigantescos que, por sua vez, se equilibram sobre o casco de uma enorme tartaruga, a grande A’Tuin. O Discworld é, além de improvável cientificamente, dotado de grande magia.

Logo no início da história temos os dois personagens principais, o mago fracassado Rincewind e o turista Duasflor, escapando de um incêndio causado por este último em uma das principais cidades do Discworld, Ankh-Morpork. A jornada desta improvável dupla é comandada (sem que eles saibam) por um jogo de tabuleiro controlado pelos deuses daquele mundo. Outros personagens recorrentes são o Morte (literalmente a morte e impressionantemente cativante) e o bárbaro Hrun, que sempre dá um jeito de escapar das situações mais improváveis sem grandes problemas, como só os heróis geralmente o fazem. Além disso, há a caixa mágica de Duasflor, um baú de viagem mágico dotado de centenas de pares de pernas que faz de tudo para proteger seu dono.

A história se desenrola entre situações absurdas e desfechos improváveis, coordenados pela mente habilidosa de Terry Pratchett, que confere um ar de humor a toda a história no melhor estilo Douglas Adams.

OPINIÃO: O único ponto negativo da história, talvez por ser um livro introdutório a um universo tão fantástico, é que A Cor da Magia acaba por vezes sendo maçante. As aventuras que se sucedem durante o livro tornam-se, por vezes, cansativas para o leitor. Há muita informação nas páginas que somente serão utilizadas em volumes futuros e que ficam “jogadas” durante a leitura, confundindo o leitor que quer avançar na leitura e se vê no meio de uma explicação sobre algum aspecto do mundo que é irrelevante para aquela trama específica.

Já nos pontos positivos, temos a construção de um mundo incrível e non-sense por excelência, baseado num mito hindu, mas adaptado para suportar as situações que o roteiro pede. O humor que permeia todo o livro é ótimo, quebrando as cenas de fuga, luta e heroísmo sem perder a cadência. Rincewind, o personagem através do qual enxergamos o mundo, é carismático e flerta com a figura do anti-herói, enquanto Duasflor é o recurso de roteiro que impele a história para a frente, sendo um turista (o único no Discworld) destemido, que acredita que nada de ruim acontecerá a ele.

É um ótimo livro, apesar da ressalva no início desta opinião, e fiquei motivado para ler mais algumas histórias deste incrível universo criado por Terry Pratchett.

NOTA PARA A LEITURA: 7/10.

Observação: Esta resenha, excepcionalmente, não terá a sessão de análise com spoilers, pois cada situação na história é diferente, quase desconexas entre si, e o livro termina com um gancho para o volume seguinte que este humilde resenhista ainda não teve a oportunidade de ler. Logo, dar informações sobre o final do livro aqui não acarretaria em nada para esta resenha além de, justamente, um spoiler gratuito.

Por Rafael D’Abruzzo

Resenha: O Mundo de Sofia

O primeiro livro a ser resenhado neste espaço é “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder, que, já adiantando parte da minha opinião, é um dos melhores (se não o melhor) livro que já li.

No livro, acompanhamos a história de Sofia Amundsen, uma garota norueguesa de 14 anos, filha de uma mãe protetora e um pai ausente que trabalha fora do país a maior parte do ano.

Quando Sofia começa a receber perguntas principiológicas pelo correio (“Quem é você?”, “De onde vem o mundo?”), sua existência começa a se entrelaçar com a de uma enigmática pessoa chamada Hilde. Ao mesmo tempo em que começa a receber um curso de filosofia pelo correio, vindo de um igualmente enigmático professor chamado Alberto, Sofia também passa a receber cartões postais de Albert Knag, o pai de Hilde.

Conforme o curso de filosofia avança, o leitor aprende sobre os principais pensadores da História ao passo que se entranha cada vez mais nos mistérios que conectam a vida de Sofia e de Hilde.

É aqui que paramos o resumo e seguimos para a opinião deste humilde resenhista. Caso você queira saber mais, após a opinião e a nota para a leitura haverá uma complementação da história com spoilers.

OPINIÃO: O Mundo de Sofia, conforme introduzido acima, é talvez o melhor livro que já li. Isso advém de dois motivos:

  1. A história é muito interessante, com uma trama engenhosa e escrita fluída;
  2. Se hoje eu gosto de filosofia, a culpa é deste livro. A forma como o curso é apresentado, em ordem cronológica mas com fácil didática, motiva o leitor (normalmente jovem) a aprender mais e questionar sempre os dogmas aos quais é submetido diariamente por uma sociedade que cada vez menos exige pensamento crítico.

A história de Sofia e de Hilde se complementam e deixam a trama intrincada, com o leitor querendo saber onde o autor está querendo chegar. Sofia é um ótimo personagem orelha, enquanto o professor de filosofia, Alberto, é muito carismático. Os mistérios do livro, como são apresentados, suprem qualquer cansaço que pode ser gerado pelo curso massivo de filosofia que é apresentado durante o livro.

Não se iludam. O Mundo de Sofia é, acima de tudo, um curso de filosofia disfarçado. Mas é disfarçado com maestria pelo autor e isso muda tudo. É leitura obrigatória para sairmos da caixinha. Quanto mais velho se lê o livro, mais as reflexões se tornam impactantes.

Já perdi a conta de quantas vezes li este livro e, mesmo sabendo do final, cada vez a leitura me traz aprendizados novos e questionamentos que nunca fiz sobre a história e sobre nossa própria realidade.

NOTA PARA A LEITURA: 10/10, sem dúvidas.

Sem mais delongas, iniciamos a análise do final da obra com os SPOILERS. Siga por sua conta e risco.

Após vários capítulos de curso de filosofia e coisas estranhas acontecendo com Sofia, com Hilde e seu pai cada vez mais deixando a história fantástica (literalmente) e non-sense, sendo que Albert (o pai de Hilde, não Alberto, o professor) chega mesmo a exercer o papel de antagonista na história, o leitor chega à revelação da trama: Sofia é, na verdade, a personagem de um livro escrito por Albert como presente para Hilde em seu aniversário de 15 anos.

Hilde, ao ler o livro, desenvolve forte empatia com Sofia e Alberto, tentando ajudá-los a sair das garras manipuladoras de seu pai, o autor da história. Estes eventos acontecem quando Sofia aprende sobre Berkeley, Kant e tantos outros filósofos que ousaram questionar suas próprias realidades. Não gosto de utilizar a palavra “genial” para evitar que perca o sentido, mas este livro é, ao menos para mim, genial neste aspecto: o leitor descobre junto com Sofia que está sendo manipulado por Albert (e por Jostein Gaarder, o verdadeiro autor do livro, também), mas não se sente traído, pois as pistas estavam lá desde o início da história, como no melhor suspense à la Agatha Christie.

A forma utilizada pelo autor (Gaarder) para permitir que Sofia e Alberto fujam das garras do pai de Hilde é fascinante. Durante uma festa, Alberto conta para os demais personagens do livro que eles são justamente personagens de um livro. As reações variam e o pai de Hilde fica focado em descrever um acidente envolvendo uma Mercedes nos arredores da festa, permitindo que Sofia e Alberto saiam debaixo de sua guarda por um instante (parecido, talvez, com a escapada de Eva e Adão pelas costas de Deus) e abandonem a história, tornando-se personagens renegados, já que não fazem mais parte de suas próprias histórias.

Mas a história não acaba aí. O final do livro eu deixo a cargo dos leitores interessados, pois mesmo após a revelação principal do roteiro, já contemplada nesta análise, o desfecho não deixa de nos surpreender e intrigar, como apenas os filósofos conseguem com seus questionamentos atemporais.

Por Rafael D’Abruzzo

Dicas de Leitura: Quer começar a ler Stephen King? Veja aqui por onde começar.

Stephen King é um dos mais bem-sucedidos escritores norte-americanos, com mais de 50 livros publicados. Conhecido por seus livros de terror e suspense, King também tem algumas obras em outros estilos literários, como a ficção “À Espera de um Milagre” e seu livro autobiográfico “Sobre a Escrita”.

Veja a seguir algumas portas de entrada para o universo deste autor.

  • IT (A Coisa)
  • A Dança da Morte
  • Trilogia Bill Hodges
  • O Iluminado
  • A Torre Negra

IT (A COISA)

IT (A Coisa) é um dos romances mais célebres de Stephen King. Impulsionado pelos recentes filmes blockbusters, a obra foi redescoberta. O livro retrata a experiência de sete crianças que são aterrorizadas por uma entidade maligna abstrata e sua luta na tentativa de salvarem a si mesmas e a cidade de Derry, onde moram, deste mal.

A história é muito bem trabalhada, alterando diversos pontos de vista e deixando a trama com diversas facetas, abandonando o conceito de certo e errado, novo e velho. O livro alterna o período narrativo entre a infância e a vida adulta dos protagonistas e, por conta da complexidade dos relacionamentos, esta é uma das obras mais completas de Stephen King.

Se você viu os filmes e gostou, saiba que a experiência do livro é, além de mais completa, ainda mais aterrorizante.

A DANÇA DA MORTE

Favorito de muitos leitores, A Dança da Morte é um romance pós-apocalíptico de fantasia, no qual o mundo foi devastado por um vírus mortal, restando poucos indivíduos para dar continuidade à sociedade.

Ao contrário de IT, este livro segue uma ordem cronológica e acompanha poucos personagens. É o romance mais longo do autor, marcando a estreia de um de seus personagens recorrentes mais relevantes: Randall Flagg.

A Dança da Morte continua sendo um livro completo e atual, mesmo sendo ambientado na década de 80. Para aqueles que gostam de narrativas longas e maniqueístas (bem contra o mal), é uma ótima pedida.

TRILOGIA BILL HODGES

Esta curta série de livros é composta pelas obras Mr. Mercedes, Achados e Perdidos e O Último Turno. Todos os livros figuram o detetive Bill Hodges, marcando a estreia de Stephen King no gênero “mistério”.

O primeiro livro é uma típica história de detetive, enquanto o segundo versa sobre a importância que algumas obras têm na vida das pessoas e, por fim, o terceiro retoma a história do primeiro livro, mas com o elemento sobrenatural tão presente na obra do autor.

Com esta trilogia, Stephen King mostra que, mesmo com mais de 60 anos, um autor pode se reinventar e permitir-se criar algo novo, fora de sua zona de conforto.

O ILUMINADO

O romance que deu origem a um dos maiores clássicos de Hollywood, O Iluminado é um livro complexo, com final muito diferente da obra cinematográfica de Stanley Kubrick. A sinopse é bastante simples: um escritor com bloqueio criativo aceita o trabalho de cuidar de um hotel durante o recesso de inverno, levando consigo sua família. No local, diversos eventos estranhos começam a acontecer, envolvendo o protagonista e seu filho.

Com a sequência “Doutor Sono“, recentemente adaptada para o cinema, O Iluminado voltou aos holofotes. Se você é fã do filme, não deixe de aproveitar o livro. São histórias similares, com abordagens diferentes e complementares.

A TORRE NEGRA (Série)

Se indicar uma trilogia como porta de entrada já é pouco ortodoxo, o que falar de uma série de 7 livros e uma novela independente? Apesar do desafio, a leitura é muio recompensadora.

Com uma das frases de início mais célebres da literatura mundial (“O homem de preto fugia pelo deserto, e o pistoleiro ia atrás”) o primeiro volume abre a série épica de Stephen King. Sendo uma obra-prima que evoluiu junto com o próprio autor ao longo das décadas (o primeiro volume é de 1982, enquanto o último é de 2004), nesta série o leitor pode acompanhar o processo criativo do autor como se estivesse sentado ao seu lado durante a escrita.

Com diversas tramas intrincadas e personagens cativantes, A Torre Negra figura como uma série de livros muito bem escrita e coesa. Para aqueles que assistiram ao filme lançado em 2017, fica uma última dica: apesar de os personagens serem os mesmos, as histórias são independentes e a experiência do filme não afeta em nada a leitura.

Com estas indicações já é possível conhecer um pouco melhor o autor e mergulhar com tudo nesse universo fantástico que é a mente de Stephen King.

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