Minha segunda leitura do ano foi “Clube da Luta”, de Chuck Palahniuk. A expectativa para este livro era enorme, já que aprecio muito o filme homônimo e o assisti diversas vezes.

No livro, acompanhamos a história do protagonista sem nome que narra a história sob seu ponto de vista. Ele sofre de insônia, tem um trabalho enfadonho e coleciona peças de mobília e roupas de lojas de departamento para supri o vazio existencial que sente. Logo no início do livro, vemos o protagonista contracenando com Tyler Durden, numa cena de grande tensão que antecede uma tragédia. A partir deste ponto, a história é contada em flashback.
A linha cronológica do livro, passando o in media res inicial, conta-nos sobre a vida do protagonista, sua já mencionada insônia e seu trabalho estressante com constantes viagens de avião (causadoras de um jet lag que agrava a insônia), e sua visita rotineira a grupos de apoio para doenças terminais, como cânceres, parasitas cerebrais e outros. O objetivo destas visitas é cumprir uma sugestão de seu médico, que o aconselhou a “ver o que é um sofrimento real”, para colocar sua insônia em perspectiva.
Nestes grupos de apoio o protagonista consegue se soltar, chorar, extravasar e, enfim, dormir adequadamente à noite. Quando uma mulher chamada Marla Singer começa a frequentar os mesmos grupos de apoio que ele, sua “terapia alternativa” acaba e a insônia se agrava.
Durante uma viagem a uma praia de nudismo, o protagonista conhece Tyler Durden, um extremista anárquico com grande carisma. Quando retorna para casa, vê que seu apartamento sofreu uma explosão e percebe-se sem rumo nem teto, o que o faz pedir abrigo para Tyler, que concorda com uma condição: “eu quero que você me bata tão forte quanto você puder”. Os dois lutam no estacionamento de um bar, angariando uma pequena plateia. Posteriormente, formam o Clube da Luta.
A história avança explorando o relacionamento entre o protagonista, Tyler e Marla, que formam uma espécie de triângulo amoroso fundamentado no desprezo mútuo. Ao mesmo tempo, Tyler evolui o Clube da Lua para o Projeto Desordem e Destruição, que tem como objetivo anarquizar a vida das autoridades e dos cidadãos “de bem”, acomodados em suas pacatas vidas. A trama leva os personagens a um clímax de conflitos internos e externos, com uma dinâmica impressionante de escrita pelo autor.
OPINIÃO: A escrita de Chuck Palahniuk é muito rápida, fluida e imersiva. Com frases curtas e verbos contundentes, o autor carrega o leitor (ou o conduz a pontapés, se preferir esta jocosa metáfora) durante esta trama intrincada. Mesmo eu que conheço o roteiro do filme não consegui largar o livro e pude refletir sobre os diversos questionamentos feitos pelo protagonista e por Tyler Durden. Desde perguntas sobre nosso lugar na sociedade até o que estamos fazendo com nosso pouco tempo de vida, as dúvidas essenciais apresentadas no livro trazem reflexões poderosas e, por vezes, nocivas ao status quo do leitor, o que não necessariamente é ruim, já que as mudanças sempre surgem das quebras de paradigmas.
Clube da Luta não oferece uma história com ganchos baratos e clichés para prender a atenção do leitor, mas sim uma trama bem construída que faz você, por vezes, sequer perceber que mudou o capítulo. O livro e o filme são quase idênticos, mas as linguagens são naturalmente diferentes e é muito bom poder redescobrir a história, desta vez em seu formato original.
NOTA PARA A LEITURA: 9/10. O pontinho perdido vai por conta da estrutura dos capítulos, que não fornece pontos de parada ao leitor. Por mais que a história seja boa, enquanto você lê a vida continua acontecendo e não ter intervalos significativos na leitura pode atrapalhar na absorção das cenas.
Sem mais delongas, iniciamos a análise do final da obra com os SPOILERS. Siga por sua conta e risco.
Lá pelos 70% do livro, o leitor se depara com a revelação principal da trama: o protagonista e Tyler Durden são a mesma pessoa. O problema de insônia do protagonista é, na verdade, um transtorno dissociativo de identidade que faz com que o protagonista viva o dia como ele mesmo e as noites como Tyler Durden, que “assume o corpo” toda vez que o protagonista vai dormir e esgota suas forças.
Ao descobrir a verdade, o protagonista tenta se matar (e, desta forma, matar Tyler, que está colocando a vida de Marla em risco). Enquanto isso, as equipes de anarquistas recrutadas por Tyler no Projeto Desordem e Destruição estão perpetrando diversos atos de vandalismo e ameaças a pessoas influentes e empresas, espalhando-se por todo o país e também internacionalmente.
O final passa pela aceitação do amor do protagonista por Marla e pela tentativa de suicídio, com sobrevivência do protagonista e uma suposta união das personalidades conflitantes, deixando no leitor a expectativa do que pode ter acontecido ao mundo com o deslanche do Projeto Desordem e Destruição, já que o protagonista termina internado numa clínica psiquiátrica, alheio ao que acontece na sociedade, exceto por pequenos fragmentos de informações trazidas por enfermeiros participantes das organizações fundadas por ele.
Ao término da leitura, o leitor pode se questionar se os fatos narrados, inclusive no fim da história, são verdadeiros ou apenas devaneios da mente perturbada do protagonista. Esta questão do narrador não-confiável modifica toda a leitura e traz dúvidas sobre se o que lemos no livro realmente ocorreu da forma como narrado ou se tudo não passava de interpretação enviesada sob a ótica corrompida do protagonista. Em uma extrapolação, tudo poderia ter se passado apenas em sua mente, embora acredito não ser esta a intenção do autor.
Da forma como é apresentada, a história traz uma reviravolta e transforma o narrador numa incógnita, deixando a história mais profunda e cheia de nuances para o leitor continuar imerso na trama por um bom tempo após fechar o livro.
Por Rafael D’Abruzzo