Literatura, resenhas de livros e dicas de leitura

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Resenha: Laranja Mecânica (Leituras 2020 – 18/20)

Hoje falo sobre “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess e já adianto: não gostei de ler o livro. E isto não quer dizer que não gostei do livro. Leiam a resenha para entender esta complexidade quase esquizofrênica deste resenhista.

“Laranja Mecânica” é um clássico da literatura e do cinema. Stanley Kubrick adaptou a obra na década de 70 para o áudio visual estrelando Malcolm McDowell e o filme foi um sucesso, considerado um clássico até hoje. O filme é uma transcrição quase exata da história do livro, divergindo apenas um pouco no final.

A história se passa num futuro incerto e distópico, num ambiente controlado por um governo opressor (mencionado muito vagamente). Neste cenário, a juventude é o foco do livro e o protagonista, Alex, é um adolescente que comanda uma pequena gangue de meliantes cujas únicas atividades são usar drogas e performar episódios de violência (tudo muito “horrorshow”, na linguagem do livro).

Sob a ótica de Alex, a história transcorre passando pela caracterização, auge e queda do protagonista, que acaba preso durante um ataque e sentenciado a um longo tempo na cadeia. Durante sua pena, Alex descobre um método alternativo de cumprimento de pena, passando por um experimento social/científico chamado “método Ludovico” que dura 15 dias e consiste em obrigar o paciente a fazer associações ruins entre a violência e mal-estar corporal e mental.

Diante da perspectiva de ser livre novamente em apenas 15 dias, Alex participa do experimento que tem consequências brutais.

OPINIÃO: A história de “Laranja Mecânica” é excelente. Muito bem-pensada e executada. É um livro curto e certeiro.

Mas não gostei de ler o livro.

Isto se deve ao uso proposital do autor de um vocabulário de gírias próprio para a juventude da época, a linguagem “Nadsat”, inspirada no russo. Por conta disso, o livro tem um enorme glossário que o leitor pode consultar para entender melhor o que está acontecendo. Eu tentei ler desta forma por duas vezes e desisti nas primeiras páginas.

Apenas quando resolvi ler o livro sem consultar o glossário, buscando entender o contexto sem necessariamente compreender todas as palavras, comecei a avançar na leitura. Acredito que esta tenha sido a intenção do autor, de causar uma estranheza no leitor. Assim, li “Laranja Mecânica” sem entender boa parte das palavras no texto, mas deduzindo seus significados por seu contexto e recorrência (e haja recorrência, já que o livro inteiro é narrado na perspectiva de Alex, que narra usando essas gírias o tempo todo, não apenas nos diálogos).

Eu poderia ter achado legal, inclusive ter me surpreendido com minha capacidade de preencher lacunas textuais apenas com o contexto e me sentir incrivelmente inteligente por minha perspicácia. Mas não. Só achei chato mesmo. O livro poderia / deveria ter notas de rodapé em todas as páginas para cada palavra, inclusive repetidas. Isto deixaria a leitura menos cansativa. Esta é a razão de eu ter tirado tantos pontos na minha nota para a leitura. Lembrando que não sou crítico literário nem um grande pensador pós-moderno, então não precisam se sentir afrontados com minha opinião pessoal.

De toda forma, a história é muito boa. Muito boa mesmo. Mesmo tendo visto o filme algumas vezes, o livro conseguiu me prender, então apesar do percalço da linguagem, é uma leitura válida e recomendada. Até porque é uma questão de gosto, cada um vai achar uma coisa e isso é a magia da literatura: nem tudo agrada todo mundo.

NOTA PARA A LEITURA: 6/10.

Por Rafael D’Abruzzo

Resenha: Fahrenheit 451 (Leituras 2020 – 16/20)

Depois de muitos anos na minha lista de leitura, finalmente li Fahrenheit 451 de Ray Bradbury.

“Queimar era um prazer.”

Fahrenheit 451 é um desses livros que você precisa ler uma vez na vida. Primeiro porque é muito bom e, segundo, porque ele inspirou muitas outras histórias por aí (inclusive o próximo livro que resenharei aqui). Ainda que distopia não seja seu gênero favorito, este livro merece sua atenção junto com 1984 e Admirável Mundo Novo (que eu particularmente não gostei, mas isso é assunto pra outra hora). Há quem inclua O Conto da Aia nessa lista também e acho mais que justo.

O livro conta a história de Montag, um bombeiro (fireman) cujo trabalho não é apagar incêndios, mas sim criá-los. Num futuro distópico em que é proibido ter livros, o departamento de bombeiros é responsável por queimar os livros e as casas dos seus proprietários. Aliás, Fahrenheit 451 é a temperatura do ponto de queima do papel.

O problema todo é que Montag acaba fascinado por livros e esconde alguns em seu próprio apartamento, o que move a trama.

No futuro distópico de Fahrenheit 451, a sociedade “evoluiu” ao ponto de não ser necessário ler praticamente nada. O entretenimento é todo providenciado por telas gigantes com programas sem enredo e programas de rádio com propagandas de slogans grudentos. A mulher de Montag é a cria estereotipada deste futuro: vive uma vida vazia, migrando de programa em programa para preencher a ausência de senso crítico. No início do livro ela toma um frasco inteiro de comprimidos e não fica certo se ela desejava se matar ou se apenas se esqueceu de que já tinha tomado um e depois o outro, demonstrando a ausência de pensamentos em sua vida. Montag chega em casa a ponto de chamar ajuda e ela sobrevive, tendo um papel importante a desempenhar no livro.

O próprio Montag vive uma vida (quase) tão vazia até conhecer sua vizinha Clarisse, uma adolescente diferente que o faz refletir logo no início do livro acerca de sua própria condição e estado emocional. Daí pra frente, deixo para vocês a experiência da leitura.

OPINIÃO: Permeado de reflexões sobre felicidade, cultura e emoções, Fahrenheit 451 atinge o leitor como uma pedrada no rosto. Trata-se de uma história densa que faz o leitor até esquecer um pouco de que se trata de uma distopia, já que em muitos momentos a narrativa se torna intimista e reflete problemas de nossa sociedade, como a liquidez das relações, o domínio das massas com entretenimento barato e enviesado e a ausência de controle do indivíduo sobre a sociedade que o cerca.

O estilo narrativo é simples e comum, não causando estranheza ao leitor além do que a trama propõe. O personagem principal é o único com a psique mais explorada, pois é ele quem passa pela transformação da jornada. Os demais personagens são planificados (talvez de propósito), permitindo que o leitor acompanhe a evolução de Montag.

O mundo criado, opressor mas sem a violência exagerada de 1984 ou a dominação camuflada de Admirável Mundo Novo, é assustador por sua própria proposta: um mundo estúpido, sem cultura, vazio e despropositado.

Fahrenheit 451 foi uma leitura muito esperada e não me decepcionou, desde o começo até o final catártico. Recomendo.

NOTA PARA A LEITURA: 9/10

Por Rafael D’Abruzzo

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