O primeiro livro a ser resenhado neste espaço é “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder, que, já adiantando parte da minha opinião, é um dos melhores (se não o melhor) livro que já li.

No livro, acompanhamos a história de Sofia Amundsen, uma garota norueguesa de 14 anos, filha de uma mãe protetora e um pai ausente que trabalha fora do país a maior parte do ano.

Quando Sofia começa a receber perguntas principiológicas pelo correio (“Quem é você?”, “De onde vem o mundo?”), sua existência começa a se entrelaçar com a de uma enigmática pessoa chamada Hilde. Ao mesmo tempo em que começa a receber um curso de filosofia pelo correio, vindo de um igualmente enigmático professor chamado Alberto, Sofia também passa a receber cartões postais de Albert Knag, o pai de Hilde.

Conforme o curso de filosofia avança, o leitor aprende sobre os principais pensadores da História ao passo que se entranha cada vez mais nos mistérios que conectam a vida de Sofia e de Hilde.

É aqui que paramos o resumo e seguimos para a opinião deste humilde resenhista. Caso você queira saber mais, após a opinião e a nota para a leitura haverá uma complementação da história com spoilers.

OPINIÃO: O Mundo de Sofia, conforme introduzido acima, é talvez o melhor livro que já li. Isso advém de dois motivos:

  1. A história é muito interessante, com uma trama engenhosa e escrita fluída;
  2. Se hoje eu gosto de filosofia, a culpa é deste livro. A forma como o curso é apresentado, em ordem cronológica mas com fácil didática, motiva o leitor (normalmente jovem) a aprender mais e questionar sempre os dogmas aos quais é submetido diariamente por uma sociedade que cada vez menos exige pensamento crítico.

A história de Sofia e de Hilde se complementam e deixam a trama intrincada, com o leitor querendo saber onde o autor está querendo chegar. Sofia é um ótimo personagem orelha, enquanto o professor de filosofia, Alberto, é muito carismático. Os mistérios do livro, como são apresentados, suprem qualquer cansaço que pode ser gerado pelo curso massivo de filosofia que é apresentado durante o livro.

Não se iludam. O Mundo de Sofia é, acima de tudo, um curso de filosofia disfarçado. Mas é disfarçado com maestria pelo autor e isso muda tudo. É leitura obrigatória para sairmos da caixinha. Quanto mais velho se lê o livro, mais as reflexões se tornam impactantes.

Já perdi a conta de quantas vezes li este livro e, mesmo sabendo do final, cada vez a leitura me traz aprendizados novos e questionamentos que nunca fiz sobre a história e sobre nossa própria realidade.

NOTA PARA A LEITURA: 10/10, sem dúvidas.

Sem mais delongas, iniciamos a análise do final da obra com os SPOILERS. Siga por sua conta e risco.

Após vários capítulos de curso de filosofia e coisas estranhas acontecendo com Sofia, com Hilde e seu pai cada vez mais deixando a história fantástica (literalmente) e non-sense, sendo que Albert (o pai de Hilde, não Alberto, o professor) chega mesmo a exercer o papel de antagonista na história, o leitor chega à revelação da trama: Sofia é, na verdade, a personagem de um livro escrito por Albert como presente para Hilde em seu aniversário de 15 anos.

Hilde, ao ler o livro, desenvolve forte empatia com Sofia e Alberto, tentando ajudá-los a sair das garras manipuladoras de seu pai, o autor da história. Estes eventos acontecem quando Sofia aprende sobre Berkeley, Kant e tantos outros filósofos que ousaram questionar suas próprias realidades. Não gosto de utilizar a palavra “genial” para evitar que perca o sentido, mas este livro é, ao menos para mim, genial neste aspecto: o leitor descobre junto com Sofia que está sendo manipulado por Albert (e por Jostein Gaarder, o verdadeiro autor do livro, também), mas não se sente traído, pois as pistas estavam lá desde o início da história, como no melhor suspense à la Agatha Christie.

A forma utilizada pelo autor (Gaarder) para permitir que Sofia e Alberto fujam das garras do pai de Hilde é fascinante. Durante uma festa, Alberto conta para os demais personagens do livro que eles são justamente personagens de um livro. As reações variam e o pai de Hilde fica focado em descrever um acidente envolvendo uma Mercedes nos arredores da festa, permitindo que Sofia e Alberto saiam debaixo de sua guarda por um instante (parecido, talvez, com a escapada de Eva e Adão pelas costas de Deus) e abandonem a história, tornando-se personagens renegados, já que não fazem mais parte de suas próprias histórias.

Mas a história não acaba aí. O final do livro eu deixo a cargo dos leitores interessados, pois mesmo após a revelação principal do roteiro, já contemplada nesta análise, o desfecho não deixa de nos surpreender e intrigar, como apenas os filósofos conseguem com seus questionamentos atemporais.

Por Rafael D’Abruzzo