Neste post vou dar minhas impressões sobre o livro “Androides sonham com ovelhas elétricas?”, de Philip K. Dick. Ou, como ficou amplamente conhecido por conta do filme de Ridley Scott: Blade Runner.

Inicialmente, um aviso para quem viu o filme: a história do filme e do livro são quase totalmente diferentes. Apenas foram utilizados os nomes dos personagens e a investigação principal. Até mesmo a atmosfera do livro é diferente da do filme. Entendo isso como algo positivo, pois você pode absorver histórias diferentes e comparar suas impressões.

No livro, acompanhamos a história de Rick Deckard, um caçador de recompensas da polícia de São Francisco num futuro distópico no qual a Terra está parcialmente inabitável por ter sido super explorada, com a humanidade migrando para outros planetas e restando, na Terra, apenas os indivíduos marginalizados ou de baixo QI, afetados pela radiação do planeta, oriunda de uma guerra nuclear.

Neste ambiente, os poucos habitantes da terra buscam ser donos de animais verdadeiros, o que é símbolo de status num planeta cuja vida animal foi praticamente extinta, e os que não têm recursos para tanto adquirem versões elétricas e artificiais, réplicas perfeitas e quase indistinguíveis dos animais originais a ponto de parecerem, de fato, vivas. Deckard, no caso, é dono de uma ovelha elétrica (daí o nome do livro).

A trama do livro envolve uma crise moral do protagonistas, que se vê questionando seu trabalho pela primeira vez. Seu trabalho consiste em “aposentar” (ou matar, se estivessem vivos) androides que estão ilegalmente na Terra. Deckard sempre executou seu trabalho sem questionamentos até ser obrigado a caçar um grupo de androides Nexus-6 de última geração, chefiado por Roy Batty, vendo-se numa trama envolvendo uma amante androide e inimigos que parecem tão humanos quanto ele próprio.

O que permite que o protagonista distinga os androides dos humanos é que apenas as pessoas têm empatia e, assim, os androides falham no teste de empatia Voight-Kampff. Empatia, aliás, é um dos principais pontos do livro, havendo inclusive uma religião voltada para isso, o Mercerismo, que gira em torno de Wilbur Mercer. Há uma caixa de empatia, uma espécie de vídeo game na qual as pessoas podem se sintonizar com essa entidade chamada Mercer que está sempre subindo uma montanha e sendo apedrejado, possibilitando aos adeptos da caixa sentirem as dores de Mercer e até mesmo serem machucados de verdade durante a experiência.

Nem os animais elétricos e suas implicações sociais, nem o Mercerismo e nem mesmo a esposa de Deckard estão na trama do filme. Foi uma surpresa interessante ler um livro e perceber um universo muito além do filme, mas complementar.

OPINIÃO: Gosto muito de Blade Runner, o filme, e isso talvez tenha influenciado minha opinião, pois me senti forçado a gostar do livro desde o começo. É, de fato, um ótimo livro, mas senti falta do peso da atmosfera do filme com o qual estou acostumado.

Não obstante, gostei muito do livro. Ele traz questionamentos muito diferentes do filme, em diversas esferas. Enquanto a preocupação principal do filme é mostrar que humanos e androides não são tão diferentes, o livro se aprofunda muito mais no que é de fato ser humano, especialmente numa sociedade apodrecida e cheia de impressões falsas, tão artificiais como a ovelha de Deckard. No livro, também, encontramos reflexões sobre consumismo e religião, trazendo nuances que inserem o leitor na obra com mais profundidade.

Recomendo a leitura do livro, é a melhor obra de Philip K. Dick que já li.

NOTA PARA A LEITURA: 9/10.

Sem mais delongas, iniciamos a análise do final da obra com os SPOILERS. Siga por sua conta e risco.

O livro inicia com Deckard recebendo a missão de caçar os androides fugitivos. Para isso, precisa conversar com representantes da empresa que os cria e, assim, conhece Rachel, uma androide pela qual se apaixona, embora seja casado e questione se é possível ter sentimentos por algo que não está vivo, propriamente dito. Pouco antes do desfecho do livro, inclusive, ele chega a dormir com ela, trazendo um dos diálogos mais profundos do livro, no qual Rachel revela que já dormiu com diversos caçadores de androides e sua função é justamente desestabilizar tais profissionais emocionalmente.

Deckard “aposenta” os androides fugitivos um a um, inclusive uma sósia de Rachel, questionando cada vez mais seu trabalho e pensando no que fazer com o dinheiro ganho das recompensas. Após aposentar 3 dos 6 androides, consegue dinheiro para comprar uma cabra de verdade, trazendo uma enorme alegria à sua vida, mas por pouco tempo, uma vez que a cabra é morta por Rachel quando ele decide continuar sua caçada aos androides restantes mesmo após dormir com ela.

Após destruir todos os androides, Deckard busca se isolar no Oregon, região dos EUA totalmente devastada pela guerra nuclear. Lá, ele encontra um sapo que julga ser de verdade e leva o animal para casa. Chegando em casa, sua esposa mostra que o sapo é elétrico, devolvendo Deckard para o status inicial do livro: sem dinheiro e dono de um animal postiço, fechando o ciclo de mediocridade que permeia a vida do personagem.

Por Rafael D’Abruzzo