Literatura, resenhas de livros e dicas de leitura

Month: August 2020

Resenha: Laranja Mecânica (Leituras 2020 – 18/20)

Hoje falo sobre “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess e já adianto: não gostei de ler o livro. E isto não quer dizer que não gostei do livro. Leiam a resenha para entender esta complexidade quase esquizofrênica deste resenhista.

“Laranja Mecânica” é um clássico da literatura e do cinema. Stanley Kubrick adaptou a obra na década de 70 para o áudio visual estrelando Malcolm McDowell e o filme foi um sucesso, considerado um clássico até hoje. O filme é uma transcrição quase exata da história do livro, divergindo apenas um pouco no final.

A história se passa num futuro incerto e distópico, num ambiente controlado por um governo opressor (mencionado muito vagamente). Neste cenário, a juventude é o foco do livro e o protagonista, Alex, é um adolescente que comanda uma pequena gangue de meliantes cujas únicas atividades são usar drogas e performar episódios de violência (tudo muito “horrorshow”, na linguagem do livro).

Sob a ótica de Alex, a história transcorre passando pela caracterização, auge e queda do protagonista, que acaba preso durante um ataque e sentenciado a um longo tempo na cadeia. Durante sua pena, Alex descobre um método alternativo de cumprimento de pena, passando por um experimento social/científico chamado “método Ludovico” que dura 15 dias e consiste em obrigar o paciente a fazer associações ruins entre a violência e mal-estar corporal e mental.

Diante da perspectiva de ser livre novamente em apenas 15 dias, Alex participa do experimento que tem consequências brutais.

OPINIÃO: A história de “Laranja Mecânica” é excelente. Muito bem-pensada e executada. É um livro curto e certeiro.

Mas não gostei de ler o livro.

Isto se deve ao uso proposital do autor de um vocabulário de gírias próprio para a juventude da época, a linguagem “Nadsat”, inspirada no russo. Por conta disso, o livro tem um enorme glossário que o leitor pode consultar para entender melhor o que está acontecendo. Eu tentei ler desta forma por duas vezes e desisti nas primeiras páginas.

Apenas quando resolvi ler o livro sem consultar o glossário, buscando entender o contexto sem necessariamente compreender todas as palavras, comecei a avançar na leitura. Acredito que esta tenha sido a intenção do autor, de causar uma estranheza no leitor. Assim, li “Laranja Mecânica” sem entender boa parte das palavras no texto, mas deduzindo seus significados por seu contexto e recorrência (e haja recorrência, já que o livro inteiro é narrado na perspectiva de Alex, que narra usando essas gírias o tempo todo, não apenas nos diálogos).

Eu poderia ter achado legal, inclusive ter me surpreendido com minha capacidade de preencher lacunas textuais apenas com o contexto e me sentir incrivelmente inteligente por minha perspicácia. Mas não. Só achei chato mesmo. O livro poderia / deveria ter notas de rodapé em todas as páginas para cada palavra, inclusive repetidas. Isto deixaria a leitura menos cansativa. Esta é a razão de eu ter tirado tantos pontos na minha nota para a leitura. Lembrando que não sou crítico literário nem um grande pensador pós-moderno, então não precisam se sentir afrontados com minha opinião pessoal.

De toda forma, a história é muito boa. Muito boa mesmo. Mesmo tendo visto o filme algumas vezes, o livro conseguiu me prender, então apesar do percalço da linguagem, é uma leitura válida e recomendada. Até porque é uma questão de gosto, cada um vai achar uma coisa e isso é a magia da literatura: nem tudo agrada todo mundo.

NOTA PARA A LEITURA: 6/10.

Por Rafael D’Abruzzo

Resenha: Mestre das Chamas (Leituras 2020 – 17/20)

Hoje falo sobre o livro “Mestre das Chamas”, de Joe Hill. Um romance apocalíptico (e pós-apocalíptico) que explora a natureza da humanidade em situações extremas.

“Mestre das Chamas” retrata um futuro incerto (mas próximo) no qual um fungo causa uma pandemia global, dizimando boa parte da humanidade. A questão toda é que este fungo causa uma doença popularmente chamada de “escama do dragão”, pois causa infecção na pele dos doentes, levando a combustões espontâneas. Assim, os infectados pegam fogo em poucos dias e morrem.

O clima de terror do livro é dado por conta da incerteza (ao menos no começo) de como se pega a doença e se existe uma cura. É aí que entra a personagem principal do livro. Harper Grayson / Harper Willowes é uma enfermeira de escola que começa a trabalhar num hospital para ajudar durante a pandemia. O casamento com Jakob é abalado quando ela descobre estar grávida no meio do apocalipse e destruído quando ela se descobre infectada com a doença.

Após um episódio de violência do marido ela recebe ajuda de John, um homem vestido de bombeiro (daí o título original do livro: “Fireman”), para fugir e acaba num acampamento escondido onde dezenas de infectados coexistem com a doença e aprenderam a controlá-la, entrando para o “Brilho”, uma espécie de transe catártico coletivo provocado pela doença.

A partir deste ponto, as tramas e subtramas se entrelaçam, o relacionamento dela com John e os demais membros do acampamento se desenvolvem e as dificuldades voltam a aparecer. De “caçadores de infectados” a motins, este livro tem tudo o que se espera de uma sociedade pós-apocalíptica (especialmente nos EUA).

Um fato interessante é que Joe Hill é filho de Stephen King, mas não usa seu sobrenome para evitar surfar tanto na onda da fama de seu pai. Sua escrita é competente e envolve o leitor. Foi o primeiro livro do autor que li e pretendo ler outros.

OPINIÃO: “Mestre das Chamas” me parece ser um livro do tipo “ame ou odeie”. A escrita do autor é muito divagada em alguns momentos, lembrando um pouco Tolkien que é famoso por longas divagações e descrições. Para os que apreciam parágrafos longos que quebram o ritmo do livro, isto não incomodará. Para leitores com um pouco mais de dificuldade de manter o foco na leitura, pode ser um problema.

Sobre a trama, confesso que gostei muito. Gosto de histórias apocalípticas e pós-apocalípticas e esta foi uma grata surpresa. Peguei o livro de graça numa promoção da Amazon e fui sem grandes expectativas. A leitura se revelou agradável e a história muito bem pensada. Até do final eu gostei, e geralmente sempre acho que este tipo de história termina mal ou de forma pouco satisfatória.

Claro que o livro tem alguns problemas. As relações entre os personagens por vezes parecem simplórias e alguns personagens são unilaterais. Isto não seria um problema se o livro fosse um pouco mais curto, mas em quase 700 páginas espera-se que todos os personagens sejam bem-desenvolvidos. Esta queixa não se aplica aos principais, pois são realmente bem aprofundados e cheios de nuances.

“Mestre das Chamas” traz ótimas reflexões sobre a natureza humana, uma ambientação muito interessante e bons personagens. Vale a leitura.

NOTA PARA A LEITURA: 7/10

Por Rafael D’Abruzzo

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